A Criae Design e Publicidade LTDA, empresa contratada sem licitação por R$ 9,5 milhões ao ano pela Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) na gestão do deputado Josué Neto (PRTB), recebeu pagamentos da Azulão Geração de Energia S.A, controlada pela Eneva. Com investimentos no Estado, a empresa geradora de energia é uma das operadoras interessadas na abertura do mercado de gás natural no Amazonas, proposta defendida praticamente em todas as sessões plenárias da ALE-AM por Josué Neto.
A Criae tem como um de seus sócios o empresário Orlando Coimbra Neto, amigo de Josué Neto, autor do projeto de lei que acaba com o monopólio da Cigás na comercialização e distribuição de gás natural no Amazonas.
Nas duas últimas semanas, Josué Neto usa a tribuna da Casa para cobrar do governo o novo texto da lei do gás visto que o projeto de regulamentação de autoria do parlamentar foi aprovado a toque de caixa e vetado pelo Executivo estadual.
O deputado mantém a pauta de votações do parlamento trancada desde o dia 5 de junho por impedir a votação do veto, até que o governo, segundo ele, envie uma nova proposta.
“Não diferente de todos os dias da semana passada, terça, quarta e quinta da semana e terça, quarta e quinta desta semana volto a tratar sobre o tema do gás natural o quanto é importante para o desenvolvimento do Brasil do Amazonas (…) Havia estado na tribuna nos outros dois dias desta semana, onde disse que o Brasil está se mexendo, só o Amazonas está parado”, disse o presidente da ALE-AM na quinta-feira.
Campo Azulão
Em outubro de 2019, a companhia Eneva iniciou a instalação de equipamentos para perfuração e exploração de gás natural no Campo do Azulão, entre os municípios de Silves e Itapiranga (distante a 203 e 225 quilômetros de Manaus, respectivamente). O projeto Azulão-Jaguatirica II venceu o Leilão de 2019 da Agência Nacional de Energia Elétrica. No começo de julho teve início a segunda fase das obras do projeto que vai produzir gás natural liquefeito no Campo do Azulão para abastecer a Usina Termelétrica Jaguatirica II, em Boa Vista, Roraima.
De acordo com a planilha de registro de notas fiscais, revelada pelo site “O Poder”, a Criae movimentou em supostos serviços prestados à Eneva o valor total de R$ 1,2 milhões entre 2019 e junho deste ano. Entre março do ano passado e junho deste ano aparecem R$ 408,3 mil em notas fiscais pagas, divididas em sete pagamentos de R$ 58,3 mil. Nesse período, foram registradas outras 11 notas fiscais que somam R$ 797,2 mil.
Pagamentos
A primeira nota fiscal expedida pela Criae foi no dia 13 de março de 2019 na quantia de R$ 116,6 mil. No mês seguinte, nos dias 4 e 25 de abril, foram remetidas à Azulão Energia faturas de R$ 58,3 mil cada. Esse mesmo valor foi cobrado uma única vez no mês de junho de 2019. Em julho, a agência cobrou parcelas no valor de R$ 58,3 mil e R$ 38,5 mil.
Em setembro, último mês do ano de 2019 com registro de notas, a agência lançou três cobranças de R$ 58,3 mil cada, duas no dia 3 e a última no dia 24, totalizando R$ 174,9 mil. As nove faturas emitidas no ano passado somam R$ 563,4 mil.
Os primeiros pagamentos efetuado pela Eneva à Criae foram no mês de dezembro, nos dias 11 e 16, no valor de R$ 58,3 mil cada, o equivalente a R$ 116,6 mil, possivelmente, referente a dois meses de prestação de serviço.
Em 2020, a Eneva já repassou à agência de publicidade R$ 291,6 mil. Valor distribuído em cinco pagamentos, de R$ 58,3 mil cada, nos primeiros cinco meses do ano. Segundo a planilha, neste ano a empresa de publicidade emitiu notas fiscais apenas no mês de junho, nos dias 3 e 16. As duas cobranças somam R$ 233,7 mil, uma no valor de R$ 175,4 mil, maior cobrança realizada até o presente momento, e outra de R$ 58,3 mil.
De acordo com o site da Receita Federal, Azulão, com sede em um prédio empresarial no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro, possui como atividade econômica principal a geração de energia elétrica e como secundárias: extração de petróleo e gás natural, comércio atacadista de energia elétrica, transporte rodoviário de produtos perigosos e transporte marítimo de cabotagem.
Ágio de 637%
Documentos obtidos por A CRÍTICA mostram que a Criae ganhou ágio de até 637% por veiculação de peças publicitárias da ALE-AM em emissora de televisão. A empresa publicitária contratada sem licitação cobra da Casa Legislativa R$ 11,2 mil por anúncio em TV de duração de 60 segundos que, no mercado, custa R$ 1,5 mil. A empresa não possui certificação para participar de processos licitatórios, segundo consulta ao site do Conselho Executivo de Normas-Padrão. Somente 11 agências de publicidade estão aptas à concorrência pública no estado.
Cronologia ato a ato
- Março 2019 – Criae emite primeira nota por serviços prestados à Azulão.
- Outubro 2019 – Começa instalação dos equipamentos da Azulão
- Dezembro 2019 – Azulão paga primeira nota à Criae
1° trimestre 2020 – Eneva consegue financiamento de R$ 1 bilhão no Basa para projeto Azulão
- Abril 2020 – Josué Neto propõe e ALE-AM aprova em tempo recorde Lei do Gás, quebeneficia a Azulão
- Junho 2020 – Pagamento da Azulão à Criae triplica. De R$ 58 mil nos meses anteriores, junho tem nota de R$ 175 mil
- Julho 2020 – Investigado pelo MPE, Josué reforça defesa da Lei do Gás e sobe seis vezes à tribuna em duas semanas para defender projeto
Verba federal
Relatório financeiro da Eneva, disponível no site da companhia, mostra que a empresa concluiu no primeiro trimestre deste ano o empréstimo entre a Azulão e o Banco da Amazônia (Basa) no montante de R$ 1 bilhão, com vigência de 196 meses e vencimento em 15 de junho de 2036.
A celebração do termo de financiamento foi na véspera da apresentação e da aprovação do projeto de lei defendido por Josué Neto, em abril, que retira da Companhia de Gás Amazonas (Cigás) o monopólio desse mercado no Estado. Reportagem do site Poder 360 mostrou que o projeto foi feito sob medida para a Eneva. No documento, a Eneva justifica que o financiamento irá suportar o desenvolvimento e a construção do projeto integrado Azulão-Jaguatirica.
Contrato milionário sem licitação
Em fevereiro, a Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) firmou contrato com a Criae por inexigibilidade de licitação, modalidade que dispensa a concorrência com outras empresas do ramo. A Lei de Licitações e Contratos (8666\1993) define que esse recurso é utilizado somente para prestação de serviço exclusivo e quando houver inviabilidade de competição, sendo vedado o uso para serviços de publicidade e divulgação.
Na terça-feira, A CRÍTICA entrou na Justiça para conseguir acesso aos documentos do processo de contratação da Criae, que deveriam ser públicos. No dia 15 de maio, o jornal pediu, com base na Lei de Acesso à Informação à Diretoria de Comunicação da ALE-AM os documentos que balizaram a inexigibilidade de licitação como o contrato e o parecer favorável da procuradoria da Casa, que teve o aval da mesa diretora. O pedido foi reiterado no dia 17 de julho, após mais de 60 dias, mas a documentação não foi repassada.
Reportagem de A CRÍTICA do dia 19 mostrou as irregularidades na contratação, entre elas, a emissão de uma nota de empenho de R$ 8,7 milhões e o empenho de mais um mês para 2021, totalizando R$ 9,5 milhões, e a primeira ordem bancária em favor da Criae, de R$ 379 mil, foram registradas antes do contrato ter sido oficializado no Diário Eletrônico da Casa.
No site da Receita Federal, aparecem como sócios da Criae Orlando Coimbra Neto e José Loureiro Netto. A agência possui de capital social de R$ 1 milhão e sua sede na rua Luiz Antony, 1070, no Centro, é no mesmo endereço da PS Publicidade, empresa que já recebeu, desde 2015, R$ 29 milhões da ALE-AM.
Empresa silencia sobre serviços da Criae
A assessoria de imprensa da Eneva informou, por meio de nota, que a companhia iniciou as atividades no Estado do Amazonas há aproximadamente dois anos, quando adquiriu o Campo de Azulão, descoberto em 1999 e sem investimentos e operação até a chegada da empresa.
A empresa esclareceu que para desenvolver suas atividades no Amazonas, assim como em outros estados das regiões Norte e Nordeste onde mantém unidades operacionais, contrata serviços de fornecedores locais em várias áreas, como administrativa, financeira, jurídica, operacional, de comunicação, entre outras, contudo não explicou quando teve início a relação comercial, entre a Azulão Geração de Energia e a Criae Publicidade LTDA, e quais serviços foram realizados pela agência de publicidade.
“Cabe ressaltar que as atividades da Eneva e o seu relacionamento com os públicos de interesse, como colaboradores, clientes, fornecedores e instituições públicas, são norteados pela ética e integridade”, diz trecho da nota.
Indagada sobre os critérios utilizados pela Azulão para contratar a empresa de publicidade e quanto já foi pago à prestadora de serviço, a Eneva silenciou e não respondeu os questionamentos da reportagem de A CRÍTICA.
Na nota, a empresa frisou que a operação no Campo de Azulão vai contribuir com o desenvolvimento do interior do Estado a partir da geração de empregos, qualificação de profissionais locais, aumento da renda e recolhimento de impostos e royalties para os municípios.
Fonte: acritica.com