Em boicote à transição administrativa do Complexo Hospitalar Sul (CHS), formado pelo Hospital Pronto-Socorro 28 de Agosto e pelo Instituto Mulher Dona Lindu, médicos direcionam pacientes da Zona Norte da capital ao ‘28 de Agosto’ para superlotá-lo e tramam uma paralisação, sem aviso prévio, no dia 23 de dezembro, às vésperas do Natal. As informações constam em conversas de aplicativos e documentos obtidos pela CENARIUM.
No dia 1º de dezembro, a Organização Social de Saúde (OSS) Inovação e Resultados em Saúde (Agir) assumiu a administração do Complexo Hospitalar Sul de Manaus com o objetivo de reduzir de R$ 43 milhões para R$ 33 milhões o custeio mensal dos dois hospitais e dobrar o número de cirurgias ortopédicas do ‘28 de Agosto’, referência nesse procedimento. Os pagamentos retroativos de profissionais do complexo serão efetivados até o mês que vem, informou o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), no programa CENARIUM ENTREVISTA.
Em meio à transição da gestão do Hospital 28 de Agosto para a Organização Social, médicos do Instituto de Traumato-Ortopedia do Amazonas (ITO-AM) – contrários ao processo – usam grupos de WhatsApp para combinar direcionamento de pacientes de hospitais das zonas Norte e Leste de Manaus ao Hospital 28 de Agosto, na Zona Centro-Sul, e, com isso, aumentar subitamente a procura por atendimento. A ITO-AM tem profissionais atendendo em praticamente todos os hospitais de Manaus.
Uma das médicas e dirigentes do ITO-AM orientou por mensagens a “parar (o atendimento) em outras unidades, no dia 23 de dezembro, às vésperas do Natal, porque sem especialistas nessas unidades, somente, o Hospital 28 de Agosto teria ortopedistas”, obrigando o governo a manter as cooperativas. A mensagem foi enviada por médicos, à CENARIUM, que discordaram da trama.
Outro médico do ITO-AM escreveu que, se os especialistas deixassem a “Babilônia pegar fogo“, isso “desmoralizaria o governo“, referindo-se à possibilidade de gerar um caos político dentro das bases do Governo do Amazonas, como, segundo ele, ocorreu no período eleitoral. A informação foi compartilhada com a CENARIUM por médicos que discordaram do movimento.
Encomendado pelo Governo do Amazonas, um estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou que profissionais de saúde do Hospital 28 de Agosto deixavam pacientes com indicação para cirurgias ortopédicas medicados com dipirona por semanas para protelar cirurgias.
Direcionamento de pacientes
A reportagem teve acesso a encaminhamentos de médicos do ITO-AM que estão direcionando pacientes com indicação de cirurgia ortopédica da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) José Rodrigues, na Avenida Camapuã, no bairro Nossa Senhora de Fátima, na Zona Norte, para o Hospital 28 de Agosto, quando podiam encaminhar a hospitais com metade da distância.
A distância dessa UPA até o Hospital Pronto-Socorro Dr. Aristóteles Platão Bezerra de Araújo, localizado na Avenida Autaz Mirim, na Zona Leste, é de 2,5 quilômetros; e até o Hospital Pronto-Socorro Dr. João Lúcio Pereira Machado, na Alameda Cosme Ferreira, também na Zona Leste, é de 7,6 quilômetros em contraste à distância da UPA José Rodrigues até o ’28 de Agosto’, que é de 15,4 quilômetros.
Abaixo, encaminhamentos de cirurgias ortopédicas de médicos do ITO-AM da UPA José Fernandes, na Zona Norte, para o Hospital 28 de Agosto, Zona Centro-Sul:



Distância da UPA José Fernandes, na Zona Norte, ao Hospital Dr. Platão Araújo, na Zona Leste:

Distância da UPA José Fernandes, na Zona Norte, ao Hospital João Lúcio, na Zona Leste:

Distância da UPA José Fernandes, na Zona Norte, ao Hospital 28 de Agosto, na Zona Centro-Sul:

‘Escolha do paciente’
Questionada pela CENARIUM sobre o direcionamento de pacientes com indicação de cirurgias ortopédicas da Zona Norte de Manaus para o Hospital 28 de Agosto, na Zona Centro-Sul, a diretora-executiva do ITO-AM, Anna Hoagen, informou que a conduta ocorre por “escolha do paciente”. “Isso sempre aconteceu, pacientes que precisam cirurgia são encaminhados a prontos-socorros maiores. A escolha é do paciente”, disse.
Explicando que falava de forma extraoficial à reportagem, a médica reclamou do pagamento de retroativos do ITO-AM que, segundo ela, estaria pendente desde setembro na Secretaria de Estado de Saúde (SES). “Isso é uma válvula de escape para tudo que há muito tempo vem acontecendo com as empresas médicas. Não é ameaça, é desabafo”, disse Anna Hoagen.
Repasses financeiros
A CENARIUM realizou um levantamento no Portal Transparência do Governo do Amazonas e constatou que o ITO-AM recebeu um total de R$ 106,9 milhões no ano passado (2023) e este ano (2024) pelos serviços prestados em unidades estaduais de saúde, que abrangem hospitais, prontos-socorros e clínicas. Atualmente, os médicos do instituto cobram o governo do Estado por retroativos de setembro deste ano.

Inspeção do CRM
O Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CRM-AM) realizou, nesta quinta-feira, 19, uma fiscalização no Complexo Hospital Sul (CHS), na Zona Centro-sul de Manaus, e constatou que os serviços médicos estão sendo oferecidos normalmente. A fiscalização no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto constatou a presença dos profissionais e o funcionamento dos atendimentos na unidade de saúde junto aos pacientes.
O CRM-AM fez a vistoria em todos os andares junto aos leitos, centros cirúrgicos e salas da unidade de saúde. “O CRM não encontrou nenhum indício de falta de médicos. Todos os setores tinham médicos. Os médicos de plantão estavam subdivididos na enfermaria, no centro cirúrgico e no politrauma. A fiscalização do CRM concluiu que está funcionando, sim”, concluiu o fiscal do CRM-AM, médico-cirurgião Fábio Bindá.
Com informações da Cenarium